Londres, 11/11/23
No primeiro dia que abri para assinantes os textos que escrevo sem qualquer pretensão, tive três assinantes pagos: meu ex-marido, minha filha e uma pessoa querida que deixou uma mensagem comovente: eu amo a sua escrita e espero que você tenha tempo e tranquilidade para escrever sempre. Vou falar mais sobre esses votos ali adiante. Agora, antes, quis entender a razão pela qual meu ex-marido se dispôs a pagar pelos meus textos que estão escritos em uma língua que ele não lê. A resposta dele foi cirúrgica: não faz diferença; continuarei sem te entender. Foi um comentário melancólico, rendido aos emaranhados de tentativas de 16 anos de um relacionamento que acabou, formalmente, há mais de dois anos, de forma serena. Mas não é sobre isso que vou falar aqui. Penso, no entanto, na compreensão do outro quando escrevemos ou, ainda mais complexo, quando vivemos de e para escrever. Viver de escrever e para escrever, pra mim, não faz diferença. O risco não é só a falta de planejamento para arcar com os custos de vida. O risco é o da compreensão ou incompreensão alheia. Pensando nos conceitos de sujeito realista e nominalista, penso também na realidade distorcida a partir do momento que é representada. Ao criarmos um texto de ficção, encontramos um terceiro elemento. O primeiro é o que escreve, o que oferece as palavras e passa isso adiante através do registro. Depois, há o que lê, aquele que pega a proposta e retorce o quanto quiser até que encontre nele um sentido. No final, há ainda um terceiro elemento que é a junção ou o elo (independente) entre o primeiro e o segundo. É a consequência do suco dessas duas frutas, a primeira e a segunda, e que formam essa terceira tão própria e inteira quanto o escritor e o leitor. Esse é um risco porque é a reverberação do que se propõe originalmente. E se no início tudo era o verbo, no final tudo é liberdade de entender.
Em relação ao risco de cobrar pela minha escrita, há aquele que o meu menino disse: mãe, você vai ficar rica. A ingenuidade e a distorção da realidade só ficam bem e bonitas numa criança.
Nara Vidal
Hoje assinei sua newsletter e li a última, a do sofá azul. Então vim conhecer o resto, antes só tinha passado o olho na parte gratuita e comecei por essa, a do começo. Engraçado, uma mensagem em comum de ambas vem de formas tão diferentes. O que as pessoas entendem ou não na escrita do outro (o aborto, Miguel, o leitor que às vezes entende a língua e às vezes parece ter lido em grego), e como é rica e instigante essa troca. Feliz por estar conhecendo cada vez mais suas escritas e, como leitora, ter entendido ao menos de Miguel. Beijos
Essa questão do ser (des)entendido quando se escreve, acho que encontrei uma solução, a minha solução, a solução pra mim. Escrevo com o máximo de clareza que me é possível, sem estragar o que estou fazendo, um pouco porque desejo ser entendido e um pouco porque como leitor eu gosto de clareza. Não tô falando nem de simplificidade e nem de obviedade, mas de clareza. Então, escrevo assim. E o resto é sorte e azar.